De um centauro macho - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura
Um encontro improvável: Robert Redford e Marina Abramovic. Na foto, vestidos
com jalecos e protetores de ouvido brancos. Mas qual Redford é este? O meu
favorito é Jeremiah Johnson do filme de Sydney Pollack. Solidão
e dor em meio a montanhas e neve. Quando vi a foto, ouvia
o Morricone de “1900”, com De Niro e Depardieu. Todos ainda tão jovens e
bonitos... Mais invulgar, a beleza nos homens pode se tornar por demais
protagonista, um fardo desconfortável. Incômodo de outra natureza, pode surgir
daquilo de nós que algumas pessoas acabam por despertar, mesmo sem querer. Do
sexo e do afeto, se faz um inesperado rebaixamento de nós
mesmos – uma feiura. A solidão pode então surpreender e ser escolha bem-vinda,
uma liberdade de solares cavalgadas.
Ele acaricia aquele corpo nu. Dela. Tão familiar. Nas mãos,
o tamanho e o formato dos seios. A largura do quadril. Na memória, o jeito como
entreabria a boca. O desejo em um franzir. Como se doesse. Um sofrimento bom,
um amansamento. Ele acaricia aquele dorso nu. Dela. Num gesto impensado, vazio.
Depois das tantas vezes entre eles. Uma centena, talvez duas. Aquela posse. Esta
mulher elástica. Escancarando pernas. De flexões sem resistência. De posições
improváveis. De permissão excessiva, uma submissão. Ele a segura pela crina. Sem
sela. Ela, sem protestar. Mesmo quando o desejo esbarra na violência. Aquele
descontrole. Quando arfa e baba sobre ela. Quando a segura forte demais. Sem
pedir nem esperar. Aquela necessidade angustiada, urgente. Acontecia. Aconteceu.
Por vezes. Demais. Em contas de dois dígitos. No depois, outro vazio. O
silêncio. Ele sem querer falar. Ele sem querer que ela existisse. Porque para além
do suor, sobrava constrangimento. Vergonha. Dele, por ele. Besta fera. Batendo os
cascos no chão. Com raiva. Arreganhando os dentes. Essa mulher podia lhe causar
isso. Esse desespero. Ele, pior dele mesmo. Não. Não mais. A partir de agora. Não.
Ele então olha. Decide. Esta será a última vez. Sem saberem, despejou nela uma
despedida.
Acabou.
Ele levanta. Ainda em silêncio. Melhor que ela durma. Sem
anúncio nem alarde. Com o sossego das coisas que se repetem. Ele toma uma ducha.
Demorada. Se ainda pode restar uma fome abstrata. Sem objeto. Na cabeça, uma mistura
caótica de corpos e mulheres. Basta para o líquido, fino e pouco. O prazer
também. Vez dele de franzir o cenho como se doesse. Só aparência. A água lava e
leva tudo. Líquidos, os vestígios dela, os dele. Besta fera. Sem se dar conta. Ele,
livre. Tanto. Agora. Sem parelha ou montaria. Sem afeto nem compromisso para
servir de arreio ou cabresto. Sem tédio de cavalo amarrado na árvore. Livre
para ser outro. Melhor de si. Para se orgulhar e disparar. Com gosto e vento no
rosto. Ao sol. O pelo reluzente, o dorso nu. Outros arfares. Outras fomes. Outro,
ele mesmo. Enfim.
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