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Mostrando postagens de dezembro, 2013

Uma outra, de ouro - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura

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Em “Fim de Caso”, de Neil Jordan, os personagens de um triângulo amoroso se molham muito - de chuva e de lágrimas. Por aqui, já é verão, mas não chove. Nada de temporais de fim de tarde, de céus ameaçadores. Não. No texto, o Natal é seco, de neve de mentirinha, de afeto de verdade. Sem chuva nem lágrimas, um encontro de ex-amantes. Ficção multiplicada. Como se isso pudesse existir: um ex-amor.     “Love doesn’t end”, do meu favorito, Michael Nyman. Uma outra, de ouro Ela chega na hora. Ele chega adiantado. Como sempre. Desta vez, espera na pequena mesa próxima à porta. Para não deixar de vê-la. Como se pudesse. Distraído pelo jazz ao fundo. Ela chega, eles se abraçam. Finalmente. Após dias sem conta. A mulher quer ficar. Ali. Se gosta da temperatura daquele corpo. Se gosta do temperamento daquele homem. Que esquecesse. O vácuo onde se vira deixada. Antes. Ignorante, ignorada. A outra. Mudam de mesa. Ela, de frente para um espelho. Mas os olhos querem se ocupar só del

Minotauro na arena - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura

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O texto atende ao pedido de um casal de amigos queridos. Atentei para que houvesse sensibilidade e respeito, verdade e empatia. Mas tal cuidado revela muito também. De uma imunidade sabida impossível em relação aos preconceitos e estereótipos que envolvem o desejo e o afeto entre pessoas do mesmo gênero. Ainda assim, aqui, o texto. Díspares sugestões de trilhas: Manuel de Falla e seu “El amor brujo” e “Temptation”, do Moby: “Tonight I think I walk alone to find my soul as I go home. Oh, it’s the last time, it’s the last time.” Minotauro na arena   O homem na arena. Sem esperar por outro touro, mas por novilhos de carne macia. Na idade de quem pode e quer tudo da vida. Uma potência. Outra, igualmente bem-vinda. E então em meio ao suor, as carnes misturadas. No olhar do vitelo, uma mistura de surpresa e descoberta. Diante do touro, que sabe muito, tanto. Procurar, fazer, dar. Prazer, sensações. Em meio ao perigo. Algum. Pouco.

Um homem gentil - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura

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Aqui, um homem gentil, mais de alma. Gentileza que por vezes é tomada equivocadamente por fraqueza. Em um mundo onde os papeis se tornaram indefinidos, algo de príncipe talvez ainda se espere de um homem. Que seja forte e impositivo, ainda que tombe, infeliz, do alto de seu cavalo branco. Mesmo que não seja uma princesa, esta mulher. Não. Nada de Diana e Catherine, das princesas da Disney com jeito de Barbie. Não. O texto é uma variação de  Wholeheartedly  mas em lugar de uma mulher como protagonista, agora um homem. O que muda? Por quê? Penso em Martin Donovan de “Confiança”, de Hal Hartley, que, apesar da aparência tão pacífica, carrega consigo uma granada no bolso. Just in case... Um homem gentil Ele vaga pelo supermercado. Indeciso e irritado pela dúvida. Aspargos frescos podem ser pretensiosos. Caro, o queijo de cabra. Banais, as abobrinhas italianas. Sensato seria confiar. Se sempre soube inventar mesmo a partir de sobras na geladeira. Bruschettas de entrada.

Wholeheartedly - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura

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O afeto pode nos expor em arena, vulneráveis. Mas talvez, em vez de fraqueza, a vulnerabilidade do amar seja uma admirável coragem - de quem sobrevive ao fracasso, incontornável risco do almejar o enlevo. Que o desencontro e a rejeição sejam então peles a ser trocadas – necessária renovação, obrigatório desapego.  Como trilha, do islandês Ólafur Arnalds, “Old skin”: “Treading lightly, tightly shedding its old skin Leaving trails of night for light to bring chagrin While air grows thin” Wholeheartedly Ela vaga pelo supermercado. Indecisa. E irritada por tanta dúvida. Aspargos frescos, abobrinhas italianas, um queijo de cabra de preço exorbitante. Sensato seria confiar. Se ela sempre soube inventar mesmo que a partir de sobras na geladeira. Com afeto e graça, uma taça de vinho, a mesa posta na varanda com uma florzinha azul quase roxa, colhida ali mesmo, da jardineira. Mas súbito, ela se vê insegura. Se é para ele que vai cozinhar, anacrônico teste de seus esperad

Outro supermercado - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura

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“ Blade Runner ” é adaptação de uma obra de Philip K. Dick cujo título original é “ Do Androids Dream of Electric Sheep?” . Adoro esse título de lógica tão singular, buraco de Alice para um universo assustador: por que androides sonhariam com ovelhas elétricas? Por que alguém faria uma pergunta como essa? Mas, por outro lado, quais as perguntas que Philip K. Dick faria a partir de nós, seres humanos no Facebook, Twitter, LinkedIn... Tinder? Certamente em noites insones não contamos carneiros elétricos saltando cercas de vigilância à beira de serem eletrocutados. E com o que sonhamos então? Em demasia com o consumo e seus objetos. Mas se para além de clientes, também nos tornamos mercadorias, talvez mais do que sonhos, seja o caso de cogitarmos inauditos pesadelos... Outro supermercado A mulher desce da prateleira. Finalmente. Daquela que arranjara para si. Ali, à altura do olhar. Nos últimos tempos, os olhos almejados pertenciam a ele, aquele homem. Nem bonito nem feio, co