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Não hoje?

Um homem. De camisa xadrez vermelha como toalha de piquenique. Parte dos cabelos grisalhos. Desgrenhados. Ele olha para ela. Com insistência. Essa que observa e escreve no caderninho preto. Mulher e homem na plateia. A sessão plenária em curso. A juíza morena. O promotor magro. O advogado gordo. O réu encurvado dito “pardo”. A mulher percebe o olhar do homem de camisa xadrez. Faz que não vê. O olhar. Finge.   Não é comigo . A ladainha de testemunhos contraditórios segue. O homem não vê nem ouve. Só quer que a mulher olhe para ele. Essa que supõe uma ansiedade que percorra o homem por dentro. Desgrenhando cabelos. E ideias. Obsedando. Uma testemunha se levanta. Vazia a cadeira diante da juíza. O homem de camisa xadrez se levanta. Senta na cadeira azul e estofada. Vazia, ao lado dela. Essa que ainda finge. Menos. Essa que agora olha para o PM. Que vigia. De mãos para trás. Arma na cintura. Sem uso há tanto tempo. Pode falhar. Sempre. Como todos, meritíssimos. A justiça parca. As m...

Everybody lies

Além de calar, é possível mentir. Impunemente. Não sei. Não vi. Não fui eu . Mesmo sob juramento. Aquele, ele fez sem que ela pedisse. O homem suave. A voz grave, cheia de ar. Uma promessa sussurrada. Natimorta. Ele faz questão. Apesar da ameaça. Dela. Você vai me perder. De novo. Na promessa, a incapacidade. Everybody lies . Filosofia de seriado de TV. Ele não sabe do doutor. Nem de si próprio. Então mente no próprio prometer. Deixando transparecer a patologia. Ainda sem prognóstico. Sintoma preocupante. De caráter. Do pior, fatal.   Na intimidade, a mentira ainda pode ser doce. Rêveuse . Revés. No Tribunal do Júri, a mentira ainda pode ser escancarada. A mãe. O réu. A testemunha. Tão gostosa e à mostra. Os ombros, a barriga, a falta de pudor. 

Testemunho 2 - Elizabeth Loftus

Enigmático, inexplicável. Esse querer. Meu. Por ele, aquele homem. Mesmo sem ter decifrado seus olhares. Tão severos. Para além da superfície. De censura e raiva. O homem contrariado. Por mim. Talvez por si próprio. Uma sabotagem, um atentado. O seu estado de segurança em risco. Eu até quis. Ele, esse descontrole. Se fosse por um querer dele, aparentado do meu. Mas se chegou a brotar, o homem logo se defendeu, municiado. Armadura, tesoura de jardineiro. Mas com aquelas mãos?... Não. Só se usasse luvas. As da alma, esquecia. Se deixava transbordar a brutalidade. Não só naqueles seus olhares. Dias. Muitos. A minha memória, entediada, tenta recriar. As mãos. Dele. Desocupadas de meus mapeamentos, tarefas de cartógrafo. M as aquele homem e suas mãos esmaecem. Polaroide vencendo. Vou    esquecer. Também o querer. Amarelando, perdendo os contornos. Invento.  Memórias.  Outro dia.  

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Há muitas mulheres. Mais loiras. De cabelos longos e lisos. Juízas, promotoras. Poderosas. De unhas vermelhas e salto alto. Às vezes deixam entrever um vestido curto e estampado. Sob a toga preta com pingentes brancos, vermelhos. As pernas bronzeadas. Bonitas. Também um poder. Distinto daquele dos códigos e seus artigos. Da palavra feita destino com data e hora. Em meio aos muitos papéis e pastas. Folhas sem conta. Sem reciclagem possível. Processos amarelados de réus fugidos. Com medo. Com malícia. Nem sempre voltam. Mas voltam. Alguns. Pegos na distração. No excesso de confiança. Na proteção do santo. No esquecimento do crime. Mentira. Muita. Ali, aos montes. Nessa casa onde é senhora. Sem fogão nem pia dos tempos da avó. Onde a loira é Vossa Excelência.