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Pinóquio, gente inflamável?

Uma dentista queimada viva porque só tinha R$ 30 na conta. Os suspeitos, na cara-de-pau e sem nariz de Pinóquio, assumem o crime no mesmo dia do enterro da vítima e do comentário do governador: bárbaro, uma vergonha. A foto do jornal é ruim, um sofá estofado azul com um dos lados queimados, mas serve para dizer: sim, isto aconteceu. Em outra foto pequena, uma jovem sorridente de cabelos encaracolados e beca preta da formatura em Odontologia - é o que ninguém afirma, mas todos deduzimos. Daquela mulher, não vemos os dentes, se acaso são perfeitos, modelo para seus futuros pacientes – dentes brancos e limpos, igual ao coração de Jesus, poderia alguém dizer por aí, pelas ruas onde a notícia corre por muitas outras bocas e ouvidos. Naquela manhã, um homem chega ao consultório: é uma emergência. A dentista logo supõe um canal infiltrado e inflamado, o pus, a dor fazendo latejar a cabeça do pobre coitado. E

Um homem feio

Um homem feio. Equino. A cara comprida, a embocadura refreada. Na sua vez. Da boca, a voz aguda. Sem relinchar nem mostrar os dentes. Da boca, um pedido de absolvição. Porque mentem. Vítima e réu. Ambos negros e pobres e presos. Outros delitos. Muitos. A folha corrida. Extensa. De pena cumprida. Parte. O homem pede. Sem poder mandar. Ainda alguma confiança naquele júri. Três homens e quatro mulheres. A senhora de flores. No vestido e no cabelo. Mansa. Essa absolve. Sempre. Incapaz de condenar. Porque é de sua fé. O perdão. Até um dia. Quando a fé estremece. De horror. Isso não é do homem. Mas hoje não. Sem morte. Uns tiros. Muito ódio. Nenhum motivo.  Absolvição. O homem equino pede, contrariado. Não é de sua função. Do poder nele investido. Da toga preta e dos pingentes. Vermelhos. A toga, hoje, entreaberta. À mostra o tronco, a gravata lilás. Da boca, a fala curta. Logo cala para ouvir. O outro. De toga preta e pingentes brancos. De sobrenome italiano e gestos-clichê. O hom...

a PM platinada

PMs. Muitos. De uniforme cinza. O colete por baixo da camisa. Não é peito de super-herói, mas pode salvar. Mesmo sem santo nem fé. Nunca se sabe. Disparo de arma de fogo não só nas folhas do processo e no relatório da perícia. O corpo da vítima posto no papel. Ângulos de entrada e saída. Cápsulas e disparos. Choque hemorrágico. Um dia. Na plenária, sem aviso. Um outro projétil. Do parente sem consolo. Da viúva sem mansidão nem pensão do INSS. Sentença pouca para tanto sofrimento. Maldito. As contas da justiça não fecham. Tem que fazer. Mesmo que suje as mãos. Maldito. Só assim mesmo. É. A indignação domina. Parente-bicho-fera. A mão vira pata e dispara. Mais um crime. No susto, o choque. Tanto sangue. E medo. E grito. O réu-vítima sem cadeia. Talvez sem chance. O corpo ainda sem laudo. Mas este não é o dia do disparo na plenária. Talvez sem chegar. Nunca. Ainda bem. Para ela. Entre os PMs de cinza, a única mulher. Loira. De cabelos bem curtos. O capricho sob o boné. Platinada. Um po...