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Mostrando postagens de abril, 2012

Uns porquinhos

Não disse quantos eram. Usou plural. Talvez dois. Grandes e gordos. Cor-de-rosa. Pensou em três. Como na história de criança. O promotor podia ser seu lobo mau, soprando a casinha da sua versão do crime. Lobo velho. De branco e preto. Branco dos cabelos e preto da toga. Feito um vestido. E de óculos. Mais para vovozinha. Sem touca para dormir. Ele, sem cesta de guloseimas. Não. Essa era outra história. A cabeça às vezes dá voltas. Não sabe bem. Sabe que foi-se o desafeto. Contou que ele chegou armado. Atirando. Os porquinhos dentro do fusca. Que fusca? É... O do freguês? Não tem certeza do que disse. E quando mesmo? Tanta gente perguntando. Na delegacia, na audiência, no fórum e no julgamento, o advogado, o promotor e o juiz. Não podia repetir sempre a mesma história. Mesmo que fosse verdade. E essa já não sabe bem. Virou um angu. Hum. Melhor acreditar nessa outra. A dos porquinhos. O promotor vovozinho quase gargalhava. E os porquinhos?!

Histórias Terceirizadas 2

Dois empréstimos.  Para este, de um colega. Para pagar sem emprego, cata latinhas. Vasculha latas de lixo. Lanchonetes, bares, lixeiras quebradas penduradas nos postes. Bom mesmo é fim de festa. Difícil. E tem ainda a concorrência. Outros velhos e mulheres. Antes tinha vergonha. Agora pode dizer que está ajudando o planeta. Hum. O seu pequeno mundo tinha que vir antes. Respirar e sobreviver. Alguma dignidade de banhos e roupas. Difícil também. Mas se é tão pouco. Isto, do que precisa. Mais do que gostaria. Seria bom fazer como as plantas. Respirar o sol e o tempo. Beber chuva. Ficar ao relento sem pegar gripe nem pulgas. Uma noite. Já pouca, quase dia. Na lixeira de um prédio. Teve festa. De criança. Além de garrafas e latinhas, salgadinhos com chantilly. O bolo amassado. Clarinho, com morangos. Tinha também outros sacos. Um era preto e pesado. Ele abre. Tanta carne. Crua. Aos pedaços. Grandes e pequenos. Partes de membros. Ossos aparentes, brancos. Tanto sangue. Uma cabeça de cabe

Histórias terceirizadas 1

História terceirizada. Decantada pelo tempo. Impressa na memória do PM. Um dia. Longe. Testemunhou sem poder esquecer mais. Num outro dia. Depois. Contou, narrou. Sem saber se era possível. Dar conta. A perturbação. A tristeza que sobrou nele. A tristeza que vazava da mãe. Calada durante seu julgamento. Tão cansada. De sua culpa. De não conseguir explicar. De não saber. Mesmo que insistissem. Polícia, delegado, médico, psiquiatra, juiz, promotor, defensor. Repetindo perguntas. As mesmas e outras diferentes. A cabeça vazia de ideias. Como o ventre, ali mesmo no banheiro de casa. Não entendeu também. Burra. Aquele monte de carne e sangue. Que estranho. O que era isso agora. Não sabia. Achou melhor guardar. Depois ia ver. Não agora. E enrolou o bebê em uns panos. Depois ia perguntar para alguém. Aí iria entender. É. Sempre tem alguém que sabe das coisas. Mais do que ela. É. Depois. Dias. O corpo do bebê no armário da cozinha. Ela ainda sem saber. Como. Como tudo podia ser assim. Tão err

a PM platinada

PMs. Muitos. De uniforme cinza. O colete por baixo da camisa. Não é peito de super-herói, mas pode salvar. Mesmo sem santo nem fé. Nunca se sabe. Disparo de arma de fogo não só nas folhas do processo e no relatório da perícia. O corpo da vítima posto no papel. Ângulos de entrada e saída. Cápsulas e disparos. Choque hemorrágico. Um dia. Na plenária, sem aviso. Um outro projétil. Do parente sem consolo. Da viúva sem mansidão nem pensão do INSS. Sentença pouca para tanto sofrimento. Maldito. As contas da justiça não fecham. Tem que fazer. Mesmo que suje as mãos. Maldito. Só assim mesmo. É. A indignação domina. Parente-bicho-fera. A mão vira pata e dispara. Mais um crime. No susto, o choque. Tanto sangue. E medo. E grito. O réu-vítima sem cadeia. Talvez sem chance. O corpo ainda sem laudo. Mas este não é o dia do disparo na plenária. Talvez sem chegar. Nunca. Ainda bem. Para ela. Entre os PMs de cinza, a única mulher. Loira. De cabelos bem curtos. O capricho sob o boné. Platinada. Um po

crac crac

Rixa antiga. Desafeto encarquilhado pelo tempo. Feito conserva no pote. Fechada só com o tempo. Uns 20 anos. Pelo menos. O sabor apurou. E então o gosto foi mesmo bom. De vingança. Depois. Agora, só um comichão doido. Logo quando soube. No mesmo dia. Ele voltou. É. À terrinha de 35 mil indivíduos. E só diminuindo. O povo vai embora. De morte ou de partida mesmo. Os que ficam se conhecem. E aí a fofoca é bicho mais que solto. É. Vai esperar. Um dia ele cai. Claro. Aí vai ser comigo. Que graça. Pensou. Armou. E espera. O desafeto é passarinho. Fracote. Quer apertar e sentir os crac crac das asinhas quebrando na mão fechada. Não pense que vai voar assim pra sempre, não. Um dia. Claro. Logo. E assim foi. Numa noite, esperou de perto, tocaia.

mentira de mãe

Mentira de mãe pesa mais? Menos se for para proteger o filho? E se o filho matou uma, duas pessoas. Mulheres. Vinte facadas em cada uma. Lâmina de 28 cm.  A namorada. A tia da namorada. Juntas, 66 anos de vida. Tanto sangue. A jugular pode fazer esguichar. O sangue empapado na roupa. Penetrando pela pele. Dentro da carne do filho. Em um diário da moça, escrito 66. Lugar do filho, depois de outros 65. Homens. Ele, pouco homem, mais menino. Sempre. Ao menos conseguiu ser o último. Para quê. Menino sem juízo. Sempre fazendo tudo errado. Sem morrer. Por Deus. Agora ele foi longe demais. Nenhuma mentira de mãe poderá salvá-lo. Da justiça dos homens. Não. Esse filho pode é pesar na salvação da mãe. A culpa, os erros. As mentiras todas. Mais aquelas que inventou para si mesma. Fingindo acreditar. Com desespero. Como aquela que repetia agora. Antes da sentença da juíza. O filho de cabeça baixa. Vai ficar tudo bem.