Minotauro na arena - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura


O texto atende ao pedido de um casal de amigos queridos. Atentei para que houvesse sensibilidade e respeito, verdade e empatia. Mas tal cuidado revela muito também. De uma imunidade sabida impossível em relação aos preconceitos e estereótipos que envolvem o desejo e o afeto entre pessoas do mesmo gênero. Ainda assim, aqui, o texto.

Díspares sugestões de trilhas: Manuel de Falla e seu “El amor brujo” e “Temptation”, do Moby:

“Tonight I think I walk alone to find my soul as I go home.
Oh, it’s the last time, it’s the last time.”


O homem na arena. Sem esperar por outro touro, mas por novilhos de carne macia. Na idade de quem pode e quer tudo da vida. Uma potência. Outra, igualmente bem-vinda. E então em meio ao suor, as carnes misturadas. No olhar do vitelo, uma mistura de surpresa e descoberta. Diante do touro, que sabe muito, tanto. Procurar, fazer, dar. Prazer, sensações. Em meio ao perigo. Algum. Pouco.
É noite. Mais escuro, ali dentro. Apesar da música, eles não dançam. Olham um para o outro. E bebem. Bom ter algo para fazer além de desejar. O jovem então se aproxima. Sorri. Basta. Para que uma mão logo escape. Mapeamento de pele e carnes. Busca das bocas pelo sabor alheio. Touro e novilho saem. No carro, fazem o que irão fazer de novo. Na casa bagunçada, na cama desarrumada. Separam-se só no meio da tarde seguinte. Após matarem as fomes que aparecem mais de uma vez. Após o jovem vasculhar CDs e livros, prestar atenção no que as coisas dizem deste homem que poderia ser seu pai.

Não.

O jovem tem seu próprio pai. Pai após vários anos do casamento com a mãe. De fazerem outras duas filhas. Pai que hoje passa pelo filho sem perguntar. Dos outros homens. Do sexo. Pai que hoje passa pelo filho sem fingir que não sabe. Pai que apenas cala. Um jeito disso tudo existir menos. Isso que não acha safadeza. Cala, mas no fundo, crê em defeito. E se podia ser de fabricação, era então dele, pai.

Após algumas semanas.

O jovem desaparece. Após cinema e outras baladas, praia e presentes. O celular desligado. Às vezes. Muitas. De súbito, tão ocupado. Em fuga. Do afeto. Daquele homem e de seu abraço, ameaça de fagocitose. Devoração de relacionamento sério, de compromisso e cobrança. Prisão sem crime nem cadáver que não o da vida que escapava.  
Não.

O homem na arena. De volta. Ainda sem esperar touros, no gosto por novilhos. Ainda que à beira de um motim. Contra si. Contra o que de si, criava desejo, desencontro e solidão. Dor. A arena vasta. Demais. Por ser manchada de sangue. Não. Ainda não.


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