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ninhos

A PM não mais platinada. Ainda os mesmos olhos pequenos e redondos. A boca delicada que ali, no Fórum, fica sem batom nem gloss . Lábios vestidos de contentamento e orgulho. Naquele momento. Um sorriso. Ela pega então o livro. De capa vermelha. Onde é também personagem. E o guarda. No peito. Sob o colete. À prova de balas. Porque apesar das histórias, de todo sangue, tiros e facadas, o livro ainda pode demandar escudo. Uma fragilidade. Mesmo que imaginária. Herança de sua autora. Esse almejar. Ninho e cuidado. Agora que guardado ali, aquecido, o livro silencia. E espera. Por ela. Sua dona e leitora. Para

Não hoje?

Um homem. De camisa xadrez vermelha como toalha de piquenique. Parte dos cabelos grisalhos. Desgrenhados. Ele olha para ela. Com insistência. Essa que observa e escreve no caderninho preto. Mulher e homem na plateia. A sessão plenária em curso. A juíza morena. O promotor magro. O advogado gordo. O réu encurvado dito “pardo”. A mulher percebe o olhar do homem de camisa xadrez. Faz que não vê. O olhar. Finge.   Não é comigo . A ladainha de testemunhos contraditórios segue. O homem não vê nem ouve. Só quer que a mulher olhe para ele. Essa que supõe uma ansiedade que percorra o homem por dentro. Desgrenhando cabelos. E ideias. Obsedando. Uma testemunha se levanta. Vazia a cadeira diante da juíza. O homem de camisa xadrez se levanta. Senta na cadeira azul e estofada. Vazia, ao lado dela. Essa que ainda finge. Menos. Essa que agora olha para o PM. Que vigia. De mãos para trás. Arma na cintura. Sem uso há tanto tempo. Pode falhar. Sempre. Como todos, meritíssimos. A justiça parca. As m...

Testemunho

Muitas pintas e sardas. Uma mancha castanha. Na lateral do corpo, 5cm acima da crista ilíaca direita. Cartográfica, insular. Ele não vê, pouco afeito a mapeamentos. Nela. Naquele corpo sem marcas. De sol. De tinta em provérbios ou hieróglifos. Não. Algumas cicatrizes. Nenhum hematoma. Pena . É o que ela teria achado. Porque gosta da intensidade do desejo. Dele, este homem. Deixando rastros. Provas indiciais. Passíveis de perícia. A sua própria, depois. Durante o banho. Ao ver, lembrar. Ainda que doa um pouco. Ecoa. Do antes. Agora feito percurso de água e mãos. Pena . É o que ela teria dito. A ele. Durante. Mas não há testemunhas. As palavras se perdem. Durante também. Sussurradas. Talvez ele se lembre.  Depois. Um sorriso de olhos fechados e sobrancelhas franzidas. O beijo sugando seu lábio inferior. Dele. Da boca que ela achou tão bonita. Sem chegar a confessar. Não. (quando?) Os elogios, qualificadores de outra ordem. Então e também depois. O homem percorrendo os inter...

Histórias terceirizadas 1

História terceirizada. Decantada pelo tempo. Impressa na memória do PM. Um dia. Longe. Testemunhou sem poder esquecer mais. Num outro dia. Depois. Contou, narrou. Sem saber se era possível. Dar conta. A perturbação. A tristeza que sobrou nele. A tristeza que vazava da mãe. Calada durante seu julgamento. Tão cansada. De sua culpa. De não conseguir explicar. De não saber. Mesmo que insistissem. Polícia, delegado, médico, psiquiatra, juiz, promotor, defensor. Repetindo perguntas. As mesmas e outras diferentes. A cabeça vazia de ideias. Como o ventre, ali mesmo no banheiro de casa. Não entendeu também. Burra. Aquele monte de carne e sangue. Que estranho. O que era isso agora. Não sabia. Achou melhor guardar. Depois ia ver. Não agora. E enrolou o bebê em uns panos. Depois ia perguntar para alguém. Aí iria entender. É. Sempre tem alguém que sabe das coisas. Mais do que ela. É. Depois. Dias. O corpo do bebê no armário da cozinha. Ela ainda sem saber. Como. Como tudo podia ser assim. Tão err...

a PM platinada

PMs. Muitos. De uniforme cinza. O colete por baixo da camisa. Não é peito de super-herói, mas pode salvar. Mesmo sem santo nem fé. Nunca se sabe. Disparo de arma de fogo não só nas folhas do processo e no relatório da perícia. O corpo da vítima posto no papel. Ângulos de entrada e saída. Cápsulas e disparos. Choque hemorrágico. Um dia. Na plenária, sem aviso. Um outro projétil. Do parente sem consolo. Da viúva sem mansidão nem pensão do INSS. Sentença pouca para tanto sofrimento. Maldito. As contas da justiça não fecham. Tem que fazer. Mesmo que suje as mãos. Maldito. Só assim mesmo. É. A indignação domina. Parente-bicho-fera. A mão vira pata e dispara. Mais um crime. No susto, o choque. Tanto sangue. E medo. E grito. O réu-vítima sem cadeia. Talvez sem chance. O corpo ainda sem laudo. Mas este não é o dia do disparo na plenária. Talvez sem chegar. Nunca. Ainda bem. Para ela. Entre os PMs de cinza, a única mulher. Loira. De cabelos bem curtos. O capricho sob o boné. Platinada. Um po...

O Fórum

O Fórum da Barra Funda, em São Paulo, é grande e abarca muitas funções burocráticas: há cartórios das muitas Varas Criminais, salas com audiências de processos em andamento, as plenárias onde ocorrem os julgamentos. Muita gente circula pelos corredores: advogados, defensores públicos, promotores de Justiça, funcionários, PMs e pessoas “comuns” – sejam testemunhas, réus ou cidadãos buscando atestados e documentos. É no Fórum onde ocorrem os julgamentos com júri popular de todo o município de São Paulo, exceto os da região de Santana, na Zona Norte.   Lição de casa aprendida: de acordo com o Código Penal Brasileiro só os crimes dolosos contra a vida é que são julgados pelo Tribunal de Júri. São 4: Art. 121 – Homicídio ;