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ninhos

A PM não mais platinada. Ainda os mesmos olhos pequenos e redondos. A boca delicada que ali, no Fórum, fica sem batom nem gloss . Lábios vestidos de contentamento e orgulho. Naquele momento. Um sorriso. Ela pega então o livro. De capa vermelha. Onde é também personagem. E o guarda. No peito. Sob o colete. À prova de balas. Porque apesar das histórias, de todo sangue, tiros e facadas, o livro ainda pode demandar escudo. Uma fragilidade. Mesmo que imaginária. Herança de sua autora. Esse almejar. Ninho e cuidado. Agora que guardado ali, aquecido, o livro silencia. E espera. Por ela. Sua dona e leitora. Para

12H2O + 6CO2 → 6O2 + 6H2O + C6H12O6

De óculos escuros. Mesmo ali, no trem. Pela janela, o túnel. Flashes verde neon. Códigos de letras e números. Ilegíveis, por decifrar. E porque a mulher não tem cabresto, desvia o olhar. À sua frente, no banco oposto. Um homem. Bonito . Pensamento que lhe escapa. De olhos pequenos e escuros. Outro túnel. Ela não percebe. Mas ele, sim. Para além do olhar, o sorrir. Dela. Pequeno, sem saber de si. Só lábios e intenção. Sim. Ela gosta. Daquela beleza humilde. Sem ostentar nem ofender. Sim. Mas... o homem está de chinelo. Assim como a mulher. Aquela outra, ao lado dele. A mulher de óculos então inventa. Um casal. Uma história. Um homem bonito de pés acalorados. Um casal em viagem. Calados e sérios. Tanto cansaço. Tempo demais. Tanto costume. Da voz, do jeito e dos gostos. Do sabor do suor e da saliva. A história também em flash. Passa. Veloz. Logo chega. Estação terminal. Todos descem. O casal de chinelos, a mulher de óculos. Ela não olha mais para ele. Passou, já esqueceu. Não. Ant...

Testemunho 3 - Esta, uma voz

É muito difícil eu perder a voz. Duas vezes que eu me lembre. Uma por um trabalho – muda de estresse e ansiedade. Na outra vez, por dias. Uma tosse seca que tornava impossível uma simples frase. Inteira e incólume.  Ah, mas isso é tristeza . O veredito da homeopata. Tosse de uma ferida. Do amor de anos. Fraturando. No apartamento na cobertura do prédio de esquina. Longos abraços noturnos. Entre o fícus e o pé de laranjinha. Flores que nunca prosperaram como deveriam. Tanto calor e sol. O manjericão perfumado das sementes trazidas da Itália na mala da mãe dele. Ao relento, aconchego de cartografias há muito mapeadas. Aos sentidos só cabendo o reconhecimento. A cada vez. Muitas. O desejo permeando dia, rotina. Até o afeto fraturar. De vez. Quando a tosse se foi. E ficou a ferida. Depois. No lugar dela,  uma   angústia . O veredito de outro. Muito depois. Um homem tão suave.  Você precisa sentir isso de novo . O afeto. Agora, tenho tosse. E essa angústia. Logo ser...

121 de dois

Nos corredores do Fórum ninguém diz: cometeu 121. Foi 121. Inocentado de 121. 121 com qualificadoras. 121 pede “artigo”, não se deixa tomar assim, nu. No Código Penal brasileiro, o crime, artigo 121, é definido por duas palavras: matar alguém. Depois se seguem os vários parágrafos e incisos sobre culpabilidade, qualificadoras e penas. Já o artigo 171 é pop. Está no Houaiss com hifens. Um-sete-um. A definição do crime demanda muitas palavras mais:   obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. A pena não é pequena:   reclusão, de um a cinco anos, e multa.   Um aparente excesso, se para 121 culposo a pena é de um a três anos. Paradoxal. Chamar o outro de um-sete-um pode ser 121. Para o afeto e a confiança. Aquilo que poderia se constituir entre dois.

Testemunho

Muitas pintas e sardas. Uma mancha castanha. Na lateral do corpo, 5cm acima da crista ilíaca direita. Cartográfica, insular. Ele não vê, pouco afeito a mapeamentos. Nela. Naquele corpo sem marcas. De sol. De tinta em provérbios ou hieróglifos. Não. Algumas cicatrizes. Nenhum hematoma. Pena . É o que ela teria achado. Porque gosta da intensidade do desejo. Dele, este homem. Deixando rastros. Provas indiciais. Passíveis de perícia. A sua própria, depois. Durante o banho. Ao ver, lembrar. Ainda que doa um pouco. Ecoa. Do antes. Agora feito percurso de água e mãos. Pena . É o que ela teria dito. A ele. Durante. Mas não há testemunhas. As palavras se perdem. Durante também. Sussurradas. Talvez ele se lembre.  Depois. Um sorriso de olhos fechados e sobrancelhas franzidas. O beijo sugando seu lábio inferior. Dele. Da boca que ela achou tão bonita. Sem chegar a confessar. Não. (quando?) Os elogios, qualificadores de outra ordem. Então e também depois. O homem percorrendo os inter...