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Mostrando postagens de janeiro, 2014

Uma mulher menina brava - Jardim das delícias - site Revista da Cultura

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A raiva é a mais patente das máscaras da fragilidade. Ainda que se alvorace de muito rugido e cara feia. Sem vacina nem baba espumante, é moléstia que, em vez de somente causar, germina da própria dor. De desespero e desamor, a raiva se posta à frente como escudo. Como se pudesse proteger, anestesiar. Empreitada fadada ao fracasso. Ainda que em meio à fantasia de cavaleiro andante. Na ilusão de moinhos de vento. Sem nobres ideais nem poesia. Só esforço por surdez, mudez. Aquela dor. Esforço tão inglório. Do contemporâneo de Cervantes, John Downland - “Come again”, na versão de Sting e do alaudista Edin Karamazov:   “Come again! that I may cease to mourn Through thy unkind disdain; For now left and forlorn I sit, I sigh, I weep, I faint, I die In deadly pain and endless misery.” Uma mulher menina brava Ainda menina, aprende. Aquela braveza. A cara de má. O olhar duro. A raiva em bomba, explosiva. E parece mesmo funcionar. Se meninos e meninas correm. Em fuga. Ela,

mão seca de mãe - Jardim das delícias - site Revista da Cultura

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Meu gato dá cabeçadas, mordisca meu braço pedindo cafuné. Em momentos de maior empolgação, morde como se eu fosse sua fêmea. Carinho conquistado então à custa de alguma dor e marcas de dentes pontiagudos. Entre as pessoas, os gestos de demanda por afeto são infinitamente mais sutis e variados – por vezes, também dolorosos. Na carne de dentro, cicatrizes que têm algo de pinturas rupestres, almejando contar uma história, fazer perdurar emoções e sentidos que também nos constituem e que, de alguma forma, também podem nos definir. Angustiados gestos de afeto dos meus últimos dias: a mãe de “A salvo de nada”, livro de Olivier Adam, e “Pais e filhos”, de Hirokazu Kore-Eda. mão seca de mãe A mulher olha para suas mãos. Uma velhice. Só das mãos. Rugas e manchas, os dedos nodosos. Como podia isso. Com a sua idade. Se nem tanto trabalho. O marido e as crianças. A casa. O quintal sem plantas nem caca de cachorro. Nada para lanhar assim. As mãos, aquele couro. Envelhecendo e encarqu

Outras Índias - Jardim das delícias - site Revista da Cultura

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Kenneth Branagh em um Shakespeare ao sol da Toscana para afugentar meus moods melancólicos, personagens sempre tão angustiados e desencontrados... Porque o ano ainda só começa e que, apesar da incerteza do porvir, seja sempre possível “ hey nonny, nonny ”... Ainda que a resposta ao “Vem?....”, convite do afeto, não seja um “sim” em gestos ou palavras, em um tímido sorriso de largo contentamento... “Sigh no more, ladies, sigh no more.     Men were deceivers ever, One foot in sea, and one on shore,     To one thing constant never. Then sigh not so, but let them go,     And be you blithe and bonny, Converting all your sounds of woe     Into hey nonny, nonny.” "Sigh no more", de “Muito barulho por nada”, de William Shakespeare Outras Índias   Apesar do medo, ela sorri. Vai deixar acontecer. Ele, de novo em sua vida. Ele, o afeto. Mesmo se já houve tanto. Antes. Gestos bruscos. Palavras ríspidas. Cálculos e latitudes equivocadas em navegações c

Bai. Kyllä. Ndiyo. Igen. Da. Ja. Evet. Sì. Si. Sim. - Jardim das delícias - Revista da Cultura

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Um “sim” ao convite do afeto demanda coragem ao nos escancarar um abismo de vulnerabilidade, a assustadora vertigem da incerteza. Mais do que muitas ou poucas letras, este “sim” pode prescindir de todas e se fazer um diminuto sorriso, um corar das faces, um olhar fugidio. Que o novo ano, ciclo que se inicia, traga convites legítimos para que possamos dizer, amorosamente, “sim”... Como trilha, nada de árias de morte e despedida; mais a atmosfera, do que as palavras de “Saturday morning”, de Rachael Yamagata. Bai. Kyllä. Ndiyo. Igen. Da. Ja. Evet. Sì. Si. Sim. Um bip. Uma mensagem. No visor do celular, só um número. Dele. Nome apagado da agenda. Gesto invocativo de outro. Apagá-lo, aquele homem. Dali, do dentro dela. Não consegue. Claro. Agora. Esse frio na barriga. Esse tremor. Tonta.. . Bastou um punhado de palavras. Um “feliz ano novo” qualquer. Ela logo tomada por clichês amorosos do séc. XIX. Sem saber. Se amor. Se mais cisma ou encosto. Faíscas de Ogum cutucand

Um homem-bomba - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura

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Primeiro do ano, o dia pode ainda ser de pedidos. Um, ao menos. Deste homem, campo minado. Um tipo diferente de homem-bomba. Em seu âmago, um tique-taque, constante ameaça de autodestruição, aniquilação. Se o pedido é feito a um possível Deus, há algo de “Hallelujah” - pouco de júbilo ou louvor, mais do grave Leonard Cohen: “Maybe there’s a God above But all I’ve ever learned from love Was how to shoot at someone who outdrew you” Um homem-bomba Café com um pingo de leite. Leite com um pingo de café. No balcão, a atendente sorri. Opostos os pedidos deste casal. Opostos, sim. Casal, não. As pessoas olham, outros homens. Ela, exótica. Incitando desejos proibitivos, estéreis. Ele ali, ao lado dela. Macho que, apesar de poder, não a toca. Sem amor, não a quer. Não mais. Sem amor, o sexo é deprimente. Não para ela. Sem amor, o sexo é seguro. Enfim. Sem ameaça de dragagem inclemente, de arrasto irrefutável. Não.