a PM platinada


PMs. Muitos. De uniforme cinza. O colete por baixo da camisa. Não é peito de super-herói, mas pode salvar. Mesmo sem santo nem fé. Nunca se sabe. Disparo de arma de fogo não só nas folhas do processo e no relatório da perícia. O corpo da vítima posto no papel. Ângulos de entrada e saída. Cápsulas e disparos. Choque hemorrágico. Um dia. Na plenária, sem aviso. Um outro projétil. Do parente sem consolo. Da viúva sem mansidão nem pensão do INSS. Sentença pouca para tanto sofrimento. Maldito. As contas da justiça não fecham. Tem que fazer. Mesmo que suje as mãos. Maldito. Só assim mesmo. É. A indignação domina. Parente-bicho-fera. A mão vira pata e dispara. Mais um crime. No susto, o choque. Tanto sangue. E medo. E grito. O réu-vítima sem cadeia. Talvez sem chance. O corpo ainda sem laudo. Mas este não é o dia do disparo na plenária. Talvez sem chegar. Nunca. Ainda bem. Para ela. Entre os PMs de cinza, a única mulher. Loira. De cabelos bem curtos. O capricho sob o boné. Platinada. Um pouco atriz. Nos cabelos e no nome. O rosto delicado no corpo que se impõe. O réu só olha e obedece. Naquele dia.
Mais naquela hora. Quando outra loira lê sua sentença. De toga e sem emoção, ela só anuncia. Condenado. A culpa na aritmética de dias e anos. Tantos. Sem mulher nem mãe nem consolo, o réu acaba olhando para a PM. Os olhos marejados. Bonita. Ele quer lembrar. Guardá-la na memória. Para depois. A PM platinada. Para um depois que vai demorar. Para um depois que pode enfim chegar. O dia do fim da pena. Porque o tempo passa. Mesmo para ele, feito agora bicho solto. E na rua, um acaso. Acontece. Ele a vê. Ainda bonita. Ainda platinada. E hesita. Quer acenar. E acena. Assusta. Oi. Ela não está de cinza. Nem ele de calça cáqui e camiseta branca. Na rua. No gesto, algum perigo. Nenhuma sedução. Oi. É ela. Ele perde o ar e o chão. É ela. Ele lembra. A PM e as algemas. Naquele seu dia sem volta. Algemas sem fetiche nem pelúcia rosa. Oi. Ela também hesita. Sem corpete nem colete. Responde com a cabeça. Oi. Sem certeza de seu medo. Sem sorriso. Mesmo que sua natureza seja doce. Não. Para este, não pode sorrir. Ela também lembra. Acontece. Homicida. Triplamente qualificado. Motivo torpe. Sem possibilidade de defesa da vítima. Cruel. Homicida agora na rua. Solto. Zerado das contas de dias. Nada a pagar. Nem a perder. Oi.   

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Cuidado, frágil!