Just in case


Em julgamento, o réu tem o direito de permanecer calado. Como nos seriados americanos. Sem policial dando a fala de cor. A advertência. O que você disser pode ser usado contra você. Aqui. Na plenária, é o próprio juiz quem instrui. Antes. O réu sentado à sua frente. Como um conselho. Sem camaradagem nem tapinha nas costas.

Não.

Da loira de salto e tailleur branco sob a toga preta. Da morena de ascendência árabe. Do juiz alto, de cavanhaque, precisando urgente de RPG. De Sua Excelência, tão sério e de óculos, ave de rapina, eterno melhor aluno da classe. Do Meritíssimo de olhar de urso manso, grisalho que não é pelúcia.

Não.

O réu ouve, mas ainda assim, fala. Na maior parte das vezes. Um pouco ator de si mesmo. Uma discreta dose de melodrama. Um tanto de arrependimento. Cai bem. Digestivo para os sete do Conselho de Sentença. Ainda sem a forte impressão das falas da Promotoria e da Defesa. Da Defensoria Pública. Aliás, prefira. Indique. Just in case. Uma contraditória economia. Perturbadora relação custo-benefício. Sem honorários ou cheques. Sem argumentação constrangedora.

Sem metamorfose-citação literária. Ou um pouco menos provável.

De réu, direto pra gaiola. Casa do cão. Dias e anos. Um zoo com boi sem tampa nem cândida. Uns ratos que são zebra também. Pombo sem asa. A torto e a direito. Sem alívio pra entrar com recurso. Se a pena acaba. E se vira pra sempre. Um virando treze. Os honorários pagos. Há dias e anos. Para o SAC da OAB, tarde demais. Pra esse um, também.  Sem volta.      

Comentários

  1. "Extra fonte" continua sendo até agora, para mim, o humor mais impressionante, daquele jeito que rimos, mas sentimos culpa! Como pode ser engraçado e trágico?
    Mas "Just in case" me fez rir de novo, pelas mesmas razoes, ou seja, por ter a impressão que estou vendo a cena através das percepções da autora: inteligente, espirituosa, olhar de artista.
    Sentir culpa por rir eh o auge da culpa. Parece que nos, leitores, eh que nos tornamos réus (com discreta dose de melodrama)!
    Maravilhoso, como sempre. Indescritível. Parece um prato feito por um grande chef, do qual ficamos tentando descobrir o segredo dos ingredientes.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Virginia - Jardim das delícias - site Revista da Cultura