Testemunho 2 - Elizabeth Loftus
Enigmático, inexplicável. Esse querer. Meu. Por ele, aquele homem. Mesmo sem ter decifrado seus olhares. Tão severos.
Para além da superfície. De censura e raiva. O homem contrariado. Por mim.
Talvez por si próprio. Uma sabotagem, um atentado. O seu estado de segurança em
risco. Eu até quis. Ele, esse descontrole. Se fosse por um querer dele, aparentado
do meu. Mas se chegou a brotar, o homem logo se defendeu, municiado. Armadura, tesoura
de jardineiro. Mas com aquelas mãos?... Não. Só se usasse luvas. As da
alma, esquecia. Se deixava transbordar a brutalidade. Não só naqueles seus
olhares.
Dias. Muitos.
A minha memória, entediada, tenta recriar. As mãos. Dele. Desocupadas de meus mapeamentos,
tarefas de cartógrafo. Mas aquele homem e suas mãos esmaecem.
Polaroide vencendo. Vou esquecer. Também o querer. Amarelando, perdendo os contornos. Invento. Memórias.
No Fórum. O advogado ruivo e sua orgulhosa mãe na plateia. De botas
e saia um pouco curta demais. O filho tem vergonha, mas é pouca. Acostumou. O
ruivo defende um homem. Magro, pardo. Uma curta folha corrida. Pouca
periculosidade. Mais descuido mesmo. Para esta autópsia de gente viva, ele
não teria culpa nem motivo.
Foi ele. O promotor aponta o dedo. O olhar. Tão severo. De
censura e raiva. Do ofício. Acostumou.
Foi ele. A testemunha, o melhor amigo da vítima, repete. O choro e a frase ecoam no júri.
O advogado ameça se exaltar. Por um querer vencer. Dentro dele, a foto imaginária. O menino brilhante da mamãe. Para durar. Sem esmaecer. O ruivo fala então de uma
mulher que ninguém conhece. De memórias. De falsos fósseis de acontecimentos. Sem
fraude ou má intenção. Memórias falsas, mas servis. Para atender à necessidade
de justiça. Para culpar alguém. Para acreditar em algo que se quer tanto
acreditar. Com desespero. A culpa nomeada parece fazer esmaecer. A dor finalmente amarelando, perdendo os contornos. Por dentro. Mesmo sem esquecimento possível. Por mais que se queira. Então inventa-se. É um tipo diferente de armadura, tesoura de jardineiro. Para que algo sobreviva. Algo de nós. Que seja com algum consolo. Ainda que precário.
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