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Há muitas mulheres. Mais loiras. De cabelos longos e lisos. Juízas, promotoras. Poderosas. De unhas vermelhas e salto alto. Às vezes deixam entrever um vestido curto e estampado. Sob a toga preta com pingentes brancos, vermelhos. As pernas bronzeadas. Bonitas. Também um poder. Distinto daquele dos códigos e seus artigos. Da palavra feita destino com data e hora. Em meio aos muitos papéis e pastas. Folhas sem conta. Sem reciclagem possível. Processos amarelados de réus fugidos. Com medo. Com malícia. Nem sempre voltam. Mas voltam. Alguns. Pegos na distração. No excesso de confiança. Na proteção do santo. No esquecimento do crime. Mentira. Muita. Ali, aos montes. Nessa casa onde é senhora. Sem fogão nem pia dos tempos da avó. Onde a loira é Vossa Excelência.
Orgulho da família. Inveja das estudantes de Direito sentadas na plateia. De cabelos longos e lisos. Loiros também. Como a testemunha que masca chiclete. De tomara-que-caia. Os ombros nus. A verdade, não. Enroscada em contradições. Esta loira de hoje é testemunha. E sem querer, atrapalha. O ex sentado na cadeira de réu. Quieto. Catatônico. Sem perceber bem. Já são muitas horas. Não acaba. Este dia. De tantas perguntas. De teses que se misturam. O pior dia. De todos até agora. Quase como aquele. Quando soube. O cara morreu. Ele não feriu, matou. Assassino. Depois e ainda, réu. Agora, um bolo no estômago. Ele olhando a juíza ouvindo a promotora perguntando para a ex. Loiras. Sente. Algo pode dar errado. Algo vai dar errado. Horas depois: vinte e um anos. A juíza loira anuncia. Assina. Esse que matou vai morrer. São 21h53. Uma terça-feira. Um pensamento. Este não será o pior dia de sua vida. A visão turva. Cai. Isso não pode estar acontecendo. Vai morrer. Melhor morrer.    

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