Uns porquinhos

Não disse quantos eram. Usou plural. Talvez dois. Grandes e gordos. Cor-de-rosa. Pensou em três. Como na história de criança. O promotor podia ser seu lobo mau, soprando a casinha da sua versão do crime. Lobo velho. De branco e preto. Branco dos cabelos e preto da toga. Feito um vestido. E de óculos. Mais para vovozinha. Sem touca para dormir. Ele, sem cesta de guloseimas. Não. Essa era outra história. A cabeça às vezes dá voltas. Não sabe bem. Sabe que foi-se o desafeto. Contou que ele chegou armado. Atirando. Os porquinhos dentro do fusca. Que fusca? É... O do freguês? Não tem certeza do que disse. E quando mesmo? Tanta gente perguntando. Na delegacia, na audiência, no fórum e no julgamento, o advogado, o promotor e o juiz. Não podia repetir sempre a mesma história. Mesmo que fosse verdade. E essa já não sabe bem. Virou um angu. Hum. Melhor acreditar nessa outra. A dos porquinhos. O promotor vovozinho quase gargalhava. E os porquinhos?!
Quem socorreu os porquinhos? Ah, um desrespeito. Ele ria porque não era ele que ia pra cadeia. Promotor vai pra casa. No carrão cheio de portas e acessórios de luxo. O juiz gordinho e o advogado também. A jurada gorda. Vai pra casa também. Nem que seja de ônibus e trem da CPTM. Vai sentar na frente da tv para ver a novela e se entupir de salgadinho. Ah, mas ele está com a cabeça muito longe. Daqui a pouco vão perguntar de novo. Tem que falar que o outro chegou atirando. No fusca com os porquinhos. Ele só se defendeu. A arma do outro freguês em cima da mesa. Por acaso. É, acontece. Aí matou, o outro morreu. Que pontaria, hem? Mas e se ele nasceu com esse dom. Pelo menos esse. Vai ver era coisa da outra encarnação. Não. Melhor não pensar nesse assunto. Fácil acabar com medo de fantasma. Vai acabar enfiando coisa na cabeça. Na cadeia não tem condição. Cela lotada demais. Não cabia fantasma. Ia levar um desenho do Heitor, do Cícero e do Prático para por na parede. E umas gostosonas também. Pra quando o tempo andar devagar demais. Quase ele todo. 

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