Testemunho


Muitas pintas e sardas. Uma mancha castanha. Na lateral do corpo, 5cm acima da crista ilíaca direita. Cartográfica, insular. Ele não vê, pouco afeito a mapeamentos. Nela. Naquele corpo sem marcas. De sol. De tinta em provérbios ou hieróglifos. Não. Algumas cicatrizes. Nenhum hematoma. Pena. É o que ela teria achado. Porque gosta da intensidade do desejo. Dele, este homem. Deixando rastros. Provas indiciais. Passíveis de perícia. A sua própria, depois. Durante o banho. Ao ver, lembrar. Ainda que doa um pouco. Ecoa. Do antes. Agora feito percurso de água e mãos. Pena. É o que ela teria dito. A ele. Durante. Mas não há testemunhas. As palavras se perdem. Durante também. Sussurradas. Talvez ele se lembre.  Depois. Um sorriso de olhos fechados e sobrancelhas franzidas. O beijo sugando seu lábio inferior. Dele. Da boca que ela achou tão bonita. Sem chegar a confessar. Não. (quando?) Os elogios, qualificadores de outra ordem.

Então e também depois.

O homem percorrendo os interiores. Dela. Férteis para cultivo alheio. Em sementes de afeto. A partir de um beijo indeciso e morno. Bastou. Pouco tempo. (um mês?) Ali. Ele, dentro dela. Um broto. Um sentir por ele, aquele homem.

- Já vai, doutora?


Sorrio para o PM. No corredor pouco iluminado do Fórum. Desatento, ele não nota. Meus olhos marejados.

- Eu preciso ir.

As palavras escapam apressadas. Antes de meu corpo. Que levei para passear no Fórum. Tentando esquecer. (minha pequena morte) Sem laudo pericial. Em cacos, calo e fujo. Ainda. De novo. Para escapar desse dentro. Desse sentir. Por ele, aquele homem, tão ignorante dos fatos. Ele – à solta e sem mandado de busca. Eu – forçando-me o direito de permanecer calada.  Sem veredito. Sem pena.  

Comentários

  1. bonito - que me lembrou o homem desconhecido de "olhos azuis, cabelos pretos".

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  2. é mais do que um elogio!... vc reconheceu uma herança minha.

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