Outras Índias - Jardim das delícias - site Revista da Cultura
Kenneth Branagh em um Shakespeare ao sol da Toscana para afugentar
meus moods melancólicos, personagens
sempre tão angustiados e desencontrados... Porque o ano ainda só começa e que,
apesar da incerteza do porvir, seja sempre possível “hey nonny, nonny”... Ainda que a resposta ao “Vem?....”, convite do
afeto, não seja um “sim” em gestos ou palavras, em um tímido sorriso de largo
contentamento...
“Sigh no more, ladies, sigh no more.
Men were
deceivers ever,
One foot in sea, and one on shore,
To one thing
constant never.
Then sigh not so, but let them go,
And be you blithe
and bonny,
Converting all your sounds of woe
Into hey nonny,
nonny.”
"Sigh no more", de “Muito
barulho por nada”, de William Shakespeare
Apesar do medo, ela sorri. Vai deixar
acontecer. Ele, de novo em sua vida. Ele, o afeto. Mesmo se já houve tanto. Antes.
Gestos bruscos. Palavras ríspidas. Cálculos e latitudes equivocadas em
navegações colombinas. Súbito, todo um continente no meio do caminho. Agora,
astrolábio na mão, um novo céu de estrelas-guias. É no que ela quer acreditar.
Na chance de um descobrimento. Terra nova. E por isso, ela então sorri. Sim. À frase menos pergunta, mais
convite.
Homem e mulher ao mar. À vista, quem
sabe afeto. Ainda incerto, longe demais para olhos nus. Dóceis, cogitam porto. Apesar
dos recuos e avanços. Lunares. No outro, costa salgada a ser de novo lambida por
suas ondas. Ainda que ancoragem segura seja impossível. Ainda que um pé teime
em permanecer em alto-mar. Sim. Apesar
das tempestades e tormentas. Do antes. Do inevitável arrependimento. Do olhar para
trás sem encontrar real motivo. Para desistir, separar. Do olhar para trás certos
de que um único gesto teria bastado. Sim. O braço estendido na direção do outro.
A mão sobre o ombro. Uma calmaria. Schhh...
Um então aproximaria sua face. Uma carícia sobre o dorso da mão do outro.
Afago sentido como súplica. Por favor...
Se podiam deter tanto da fragilidade que só a afeição é capaz de produzir.
Por favor...
Antes. Sem fazer gesto algum. Sem
tocar o ombro, sem haver carícia. Imóveis, permitiram a partida. Um da vida do
outro. Mais de uma vez. Não desta. Apesar do calar da mulher. Das palavras entocadas
em seu porão, jogadas de um lado para o outro por suas próprias tormentas. Mas
esta mulher podia agora ser outra. Sobrevivente, shakespereana. Disposta a
cantar e dançar. Hey, nonny, nonny... Ainda
que a visão venha a se turvar de lágrimas. Ainda que haja necessidade de resgate.
Naufrágio, corpos ao mar. Ladies first.
Não agora. Que os dois se lancem à travessia. Que almejem as Índias. Outras,
novas. Coloridas e perfumadas de especiarias.
Sim.
Talvez.
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