Nela. Na lua. - Jardim das delícias - site Revista da Cultura


Uma mulher linda e tão divertida. Um homem quase perfeito não fosse a feiura. Ela se apaixona. Ele, intelectual e blasé, simplesmente não a quer. Acontece. Rejeição feita humilhação. Se ela se sente inferior, incapaz de ser par – inigualável, irresistível. Não. E então da gravidade da dor, ela inventa uma falta de gravidade: uma amorosa flutuação - lunar.  

Uma mulher linda e tão divertida. Um homem quase perfeito não fosse a feiura. Ela se apaixona. Ele, intelectual e blasé, simplesmente não a quer. Acontece. Rejeição feita humilhação. Se ela se sente inferior, incapaz de ser par – inigualável, irresistível. Não. E então da gravidade da dor, ela inventa uma falta de gravidade: uma amorosa flutuação - lunar.

Moon song, de Karen O e Spike Jonze, na voz rouca de Scarlett Johansson, da trilha de Ela - minha mais recente paixão fílmica...
Para I.

A mulher troca de roupa enquanto conversa. Com ele. Homem ausente. Agora, só lembrança e imaginação. É. Mas mesmo assim, ela conta como foi seu dia. Das suas horas todas. De todos os outros que não ele. E sorri. Ah. Ele. Ali. Não. Ainda que ela consiga. Além de imaginar, ver. Sentir. Ele ali, sentado. Com aquele seu jeito. Sem entender bem esse volátil mundo dela. De ideias até ontem inconcebíveis, já amanhã descartáveis. É. E um pouco distraído, ele mexe a bebida com o dedo. Aquela mão. Ah. Nela. O dedo na vodca. A vodca no copo de pinga. Um cubo de gelo, um caracol de casca de limão. Taiti.
Não.

É a mulher quem bebe. Só. De um gole. O que é isso. Isso por ele. Que não é saudade. Anos-luz de amor. Mais que desejo. Tormento. Ânsia. De si, de repente, cadela. De quatro, atrás do próprio rabo. Louca, obsessiva. Rabo assim não tão desejável. Ainda que abane. Pedindo, implorando.

Faça.
Pegue.
Tome.
(Estraçalhe...)

Mendigando. Em boca, calor e sussurros. Uma humilhação. Várias. Muitas. O tempo todo. Se aquele homem podia ser todo um mundo. Dela. Para ela. De uma perfeição só maculada pela feiura. E mesmo feio, desígnio de tantas mulheres. Interessadas, interessantes. Em crise. Em processo. Mulheres altas, de alta conta, de alta cultura. Insuportáveis. Mulheres sem rabo. Com sombra. Menos junguiana, mais mefítica. Sobre ele.

Mais sobre ela.  
Derrotada.
Farrapo.
Caco.

É o que a mulher sente. De si. Abatida, mesmo sem voo. Se ele não a quer. Se nunca a quis. Só algumas vezes. Mulher avulsa. No varejo. Em liquidação. Em falência. Múltipla. De si. De seu amor próprio. É. Resta então inventar. Inventá-los. Um plural. De dois deitados na lua. Preguiçosamente. É fim de tarde. A lua ainda tão branca e pálida. A lua. Eles. A milhões de quilômetros. A mulher sem se importar. Nada. Ninguém. Não. Importa apenas que - dele - não esconda nada. Nunca. Dela. Ela. Tanto. Toda. Por revelar, se atirar. Nele, homem que não é alvo, só rede. Ah. Nada de queda. Se flutuam. Claro. Menos por falta de gravidade. Mais por um embalar. Esse sopro tão morno. Ah. Amor, afinal. 

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