Um filho de Allah - Jardim das delícias - site Revista da Cultura
Cada
um recebe um “bauzinho” na vida, uma herança familiar e social. Raro ter
fortuna. Obrigatório vir com valores e padrões de comportamento, de pensamento,
de vida. Frequente não querermos tudo. Mas para jogar fora, é preciso fazer
inventário... E, como outros, este também pode demorar. Anos, décadas. E de
repente, podemos nos perceber “vestindo” valores dos pais, “calçando”
expectativas da sociedade. Ensemble
que pode não se fazer em nós sinônimo de realização, de contentamento...
Um “bauzinho” em forma de uma tradicional bakery dinamarquesa: Em família, filme de Pernille Fischer Christensen.
Ainda
sob o chuveiro. O homem chora. E gargalha. De exaustão e desespero. De medo. Por si. De si. De beijos
roubados. De sua pele real: desconhecida, vulnerável. Ali, sob a fantasia. Por doer,
arder, latejar. Talvez ele todo uma larga ferida. Por cicatrizar. Talvez ele um
pouco cobra. De fantasia-pele por abandonar. Inútil e sem sentido. Tão morta. A
pele, não ele.
Um “bauzinho” em forma de uma tradicional bakery dinamarquesa: Em família, filme de Pernille Fischer Christensen.
Allah-la-ô,
marchinha de Haroldo Lobo e Nássara, na versão gentil de Maria Bethânia.
Na
rua, uma família de homem, mulher e o filho ainda menino. Na rua, muitos
outros. Quase crianças. Embriagados de riso e cerveja. Três por dez. No isopor
carregado no ombro, empurrado no carrinho. Um até aceita cartão. O homem abre uma
latinha e olha ao redor. Garotas de
shorts e havaianas. Jovens de torsos nus, malhados de academia. Muitas tiaras
de orelhas de gato e chifres de diabinhos: coloridas, piscantes até acabar a
pilha. Um Pikachu gordinho e suado. Haroldo
enorme, sem Calvin. Mais de uma noiva, de branco, um pouco
bailarinas com vestido de tule. Esta sim, fantasia diabólica.
Allah-la-ô.
O bloco segue. A família sorri, achando
graça. É Carnaval. Súbito, um jovem
se põe entre homem e mulher. E abraça os dois pela cintura. Arrasando!... Riem. Tão inesperado e divertido.
O jovem olha para o homem. Sorri e pede para beijá-lo. O homem hesita, o jovem
não espera. E o beija. Com lábios morenos e quentes. Com gosto. Mais de uma
vez. Ali, no meio da rua. Na última, enfia a língua em sua boca.
Ô ô ô
O homem sorri. À procura por uma reação.
Nada. A mulher também sorri. É Carnaval.
O jovem desaparece. Nada. A família para e toma sorvete. Eles vão para casa. Ele
vai para o chuveiro. Água escorre pela cabeça, pelo corpo. Junto, outra água. Pra ioiô. O homem chora. A pele arde.
Como se ferida. O homem então percebe. Nele, uma segunda pele. Rachada,
descamando.
Uma fantasia.
Pele
que um dia aceitou para si. De filho e marido exemplar. De pai provedor,
super-herói. O Tom Hanks em qualquer filme. Sorrisos em sua alegoria. Fantasia
com os adereços todos: mulher, filho, emprego, carro, casa, casa na praia. E cachorro.
Claro. Fantasia herdada, já sendo transmitida.
Allah! meu bom
Allah...
Comentários
Postar um comentário