À beira do Etna - Jardim das delícias, coluna site Revista da Cultura

Na Sicília, o Etna de novo em erupção. Desta vez, menos furioso, sem viscosos rios de magma nem evacuação de emergência. Não só vulcões, pessoas também podem explodir e jorrar lava, bufar colunas de cinzas e vapores sulfurosos. Ou não. Se extintas no lado de dentro. Não! Que haja um interior de vida incandescente – ainda que passível de descontrole, destruição, queimaduras...

Amores de gente viva que perpassam o texto: “Minuto de silêncio”, de Siegfried Lenz e “Um homem apaixonado”, de Martin Walser.
Love is a warm bearing wave”… (Será?)

Ela lê. Os olhos marejam embaçando a visão, impedindo a leitura. Há tempos isso não acontecia. O choro causado pelo empréstimo e ocupação da vida de outra pessoa em palavras impressas. Neste livro, um jovem e seu primeiro amor, uma professora mais velha. Lições jamais esquecidas e se interrompidas abruptamente pela morte, desvio romântico e tão inesperado. Um livro da velhice de um autor.
Essa leitora não é velha. Mas sua jovem está distante no tempo, embaçada também. Algo mais grave: tem dúvidas de seu primeiro amor. Se o menino loiro da infância. Se o garoto sorridente e magro da pré-adolescência. Se o outro loiro dos tempos de faculdade. Certamente não o homem que desvirginou suas carnes. Não. E duvidou. Se havia amado. Alguma vez para além de seu punhado de afetos não correspondidos, sentidos para além de rejeição e desencontro, como uma espécie de defeito. Mais do que cisma e teimosia, ela cogitou se Deus a olhava de viés. Não gosto de você.

Ela lê. Outro livro. Os olhos desta vez não marejam. Um livro da velhice de um autor. Último amor dele, uma celebridade, por ela, jovem nobre com idade para ser sua neta. Uma possibilidade restrita a passeios em dias de verão, esperas e cartas escritas, nem sempre enviadas. Após alguns anos, o velho morre, a jovem envelhece solteira. Uma fidelidade.

A leitora envelhece solteira. Sem dever, mas almejando fidelidade. Mesmo que para ela, o amor fosse esse, literário, tomado de empréstimo. Amor-amálgama, mosaico de personagens que nela se inscreviam contaminando seu sentimento por homens reais. E causando desencontros. Sempre, ainda. Velha para um amor de juventude, nova para um amor de velhice. Nesta tarde, ela só vive. Sem procurar nem esperar, crendo em sentimentos ameaçadoramente fascinantes. Sentires que são também passeios, outras caminhadas. À beira do Etna.  


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